14 de jan. de 2012

Pupila / Fora de Mim

Acho que já posso escrever, que já consigo...tomei umas taças de vinho .....
O vinho é a bebida da vida e da coragem também!


Hoje meu coração encontra-se aportado na minha alma somente.  Olho pra frente, sorrio..olho pra trás sorrio também... trago lembranças nas minhas pupilas dilatadas de esperança...mas ainda não consigo falar de amor.  Não vou forçar..sei que uma hora ele vai voltar. Não penso nisso ou naquilo, custei pra me perdoar...Hoje penso em apenas não julgar, nem culpar. As minhas vozes são internas. Mas entendi, em que há momentos na vida,  que a realidade bate na cara, com intensidade, da verdade, tudo se confunde  pela ansiedade e acaba nos levando pra fora daquilo que pensamos "crer", que achamos "ser". Não existe absolutismo para as coisas do coração. Entender que: não há razão....

Não lembro da mala que fiz e nem como cheguei no aeroporto.
Lembro que recebi um e-mail, desses e-mails que os amigos mandam de "auto ajuda/ levanta astral" e naquele momento, aquele e-mail falou tudo o que eu precisava ouvir (ler). Falava sobre relacionamentos. Respondi agradecendo o momento oportuno de ler palavras tão bonitas, afinal eram as únicas palavras bonitas que eu lia nos últimos dias. A resposta do enviado veio imediatamente perguntando se eu estava bem: claro que não estava!...Havia um redemoinho no meu coração, uma tempestade na minha cabeça , uma centrífuga na minha alma, que me espremia por dentro e, por dentro,um choro reprimido que embassava meus olhos; Acabara de fazer uma escolha e tinha que ser responsável por ela.  No momento seguinte, novamente veio outra resposta, já adivinhando meus pensamentos e o que havia acontecido - e diante da minha confirmação, falou: " - Venha prá cá, não fique aí dessa forma, desse jeito, não!..não deixe as pessoas te verem assim....venha pensar." ...e sem pensar disse : sim!
Não sei se foram dias, minutos, horas ou segundos...estava eu naquele saguão de aeroporto...não sei se fazia frio, mas meu corpo tremia como se uma febre interna me consumisse por dentro, como se tudo a minha volta se passasse em câmera lenta , uma multidão perdida, mas a perdida era eu. Adiantada pro embarque , entrei na livraria -  trouxe-me lembranças aquela livraria- e ali exposto no primeiro escalão, encontrava-se um livro cujo título era eu naquele momento: "Fora de Mim" de Martha Medeiros. Abri , como de costume, aleatóriamente, e foram essas as palavras que li: "Você não me enganou, eu é que adorei enganar a mim mesma....(...) Eu me deixei levar por tudo o que não era eu, ou que deveria ter sido eu, porém uns trinta anos antes. "
Bastou para eu comprar o livro! Não sei quantas noites não dormia, mas aquela noite não havia dormido e em quarenta e cinco minutos de vôo, li a metade do livro, que começa justamente com o relato sobre um acidente de avião - a sensação de um avião em queda. Sentia-me a própria "sobrevivente " de uma acidente aéreo, meu avião havia caído e eu estava ali : viva, respirando, ferida, sussurando...não sei como, mas estava completamente "fora de mim".  Foi ali que minhas lágrimas começavam a se soltar.....

Cheguei ao meu destino e naquela mesma noite terminei o livro. A cada página lida, a sensação era de um punhal me dilacerando por dentro, uma identificação....e sangrei.. e chorei, chorei como se tentasse expulsar de mim toda dor e todo amor (como se manda embora o amor?).... aliviei em saber que outra pessoa também viveu algo tão semelhante e que passou por essa sensação de encontrar-se fora de si.

Foram dias muito tristes, mas também de conforto pra alma....de corações amigos, sem perguntas, sem cobranças...só um lugar pra chorar em paz e poder escrever...escrever...e ler. Minha companhia , depois do livro da Martha, foi a poesia de Olga Savary, e não mais num livro singular, chamado "Sumidouro". É muito engraçado a influência que os livros exercem em mim..ai lembro do meu avô que lia dicionário e da minha vó que sempre falou:  "o ignorante é mais feliz". enfim....

Perdi muita coisa que escrevi, fiz uso do velho papel e caneta e já procurei em vão onde pudessem estar aqueles escritos e nada!..e aquilo que ficou  registrado na máquina eu deletei; enviei e deletei , como se fosse uma espécie de queima de arquivo para que eu não olhasse mais e para que, se porventura, viesse a me arrepender , não me acusasse tanto. Um momento de dor desigual, um grito silencioso que rompia a barreira do vento...uma vontade de que passasse logo e um medo descarado de voltar e enfrentar. Sabia que a volta seria pior..então que eu soltasse ali todos os meus demônios...porque, por ali mesmo, Deus me acolheu, como me acolheu outras vezes. E no alto daquela colina, no meio de jovens e crianças...no meio de cantos e violões..saberia que mesmo na volta doída, haveria um lugar que eu deveria voltar pra ficar e que ali , nesse lugar, me reconstruiria, me edificaria e me deixaria pronta pra continuar e recomeçar.



" Você vai encher os vazios com as suas peraltagens e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos"  
Manoel de Barros



 "(...) sem medo tenho todas as idades." Olga Savary




"Uma alma dístraída é facilmente enganada." Padre Pio










"(...) Não é um novo você, mas estou tendo o privilégio, a essa altura da vida, de ser diferente de mim outra vez. Isso me tonteia, mas agora me dou conta que não há outra maneira  de me sentir viva, ao menos viva como preciso: escancaradamente. (....) Não tenho mais forças para lutar contra o que se declara gigantesco em qualquer ser humano: a pulsão da entrega. Não será um relacionamento leve, um passeio, quase nenhuma relação é. Mas com sorte, talvez eu consiga aceitar que no amor não existe moral da história, enfim."  


Fim. 
Fora de Mim - Martha Medeiros





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